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Aprendendo a Nadar - Uma crônica


© T.S. Harris, Peaceful Swimmer, 2016, oil on canvas, 14” x 23”, private collection / Bridgeman Images


Nadar numa piscina de águas rasas é meio que como viver a vida segura de quem não tem coragem de se arriscar nas profundezas. Respiro fundo enquanto meu pé toca o chão da área infantil de natação. A rampa que se estende à minha frente me apavora. Leva ao desconhecido, não palpável, impossível. Meu corpo trava, sinto pânico. Respiro. Meu instrutor me dá ordens lá de cima. Queria fingir que não escuto. Queria poder me comportar como as crianças ou os loucos. Mas não posso.


- Tenho medo, digo.


Há muita coragem por trás da honestidade. Ele sorri, como quem não esperava que eu fosse falar isso. Nem eu esperava que fosse falar isso, na verdade.


- Vai com medo mesmo! Você vai estar boiando de qualquer forma.


Tento pensar como ele. Sei que se nadar até o fundo e olhar para o fundo se tornando fundo, meu coração vai acelerar e meu cérebro vai parar de funcionar corretamente. Não quero causar feio, desconforto. Não quero virar assunto da mesa no pub à noite. Quero ser capaz. Quero parecer ser mais corajosa do que de fato sou. Sei que tenho assumido esse papel há um tempo.


Dou um impulso com a perna e sigo em direção ao fundo da piscina, fecho meus olhos. Meu corpo se move sozinho, não posso mais procurar pela segurança do solo. Não existe solo para me segurar. Meu coração acelera com a adrenalina. Abro os olhos e, cegamente, tateio em busca da borda da piscina. Devo ter nadado apenas um metro, mas meu instrutor bate palmas.


- Muito bem! Muito bem, já conseguiu um pouquinho!


Ele diz, com aquele sotaque irlandês de menino jovem. Por dentro, uma pequena decepção. O mal do século. A ansiedade de querer poder fazer mais do que o que consigo. Nado de volta em direção à área infantil. Dessa vez ele me dá a brilhante ideia de nadar de costas. Nadar de costas até o final da piscina. Só ir e parar quando encostar na borda final, onde a água desce por dois metros. Finjo normalidade.


- Okay!


É tudo que digo antes de me jogar de costas. Movo meus braços como foi ensinado. Primeiro um, depois o outro. O quadril também precisa se mover, não só as pernas. É um trabalho de corpo todo. Corpo, mente, água. A água me move deliciosamente. Cada pedaço do meu corpo é sustentado pelas ondas calmas. Sei que já passei da ala infantil quando as luzes do teto começam a mudar. A pilastra verde à minha esquerda, que demarca o início da piscina adulta, já está longe. Meu coração acelera um pouquinho. A coragem fala mais alto. Ignoro o medo e sigo batendo meus braços lentamente, até que chego ao final. Não consigo mais fingir coragem.

Meu instrutor está radiante. Fiz o dia de alguém mais feliz.


- Muito bem, muito bem! Viu só como você conseguiria?


Me seguro desesperadamente na escada do canto da piscina, como se minha vida dependesse disso. Por que, na verdade, meio que dependia. Um sorriso de orgulho sai da minha boca. Tenho que admitir que ele estava certo.


- Feliz agora?


Ele segue sorrindo.


- Sim, agora pode voltar de costas também.


E sigo, de volta. A temperatura das águas profundas parece diferente das águas infantis.


Me faz pensar sobre como a própria vida exige coragem constante e um pouco de fé na gente.


Às vezes é mais fácil encarar nossos medos de olhos fechados.


Às vezes se enganar é o único caminho pra sobreviver.


3 comentarios


Soraia Silva
Soraia Silva
29 jul 2022

Admiro e me inspiro na sua escrita, Sara.

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Renatta Rossatto
Renatta Rossatto
28 jul 2022

Impressionante o dom que tu tens com as palavras! Parabéns Sara, vais longe.

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Renatta Rossatto
Renatta Rossatto
28 jul 2022
Contestando a

Me trouxe uma memória muito boa da época em que fazia natação. Cheguei a sentir a diferença de temperatura da água.

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