Re Descoberta - Algumas Considerações
- Sara Ribeiro
- 17 de ago. de 2022
- 3 min de leitura

Escrever tem sido uma tarefa árdua.
Revirar nas águas do passado tem sido mais difícil do que eu imaginava. Falar do meu acidente, lidar com um novo acidente e ainda aparentar calma e tranquilidade no processo não tem sido lá a melhor coisa do mundo.
Uma cartomante me disse há algumas semanas atrás que imprevistos aconteceriam e que teríamos que lidar com momentos difíceis, mas eu não quis acreditar. Não quis acreditar por que não parecia justo que eu estava pagando aquela mulher pra que ela me desse notícias ruins.
E aqui estou eu. Com minha perna cheia de hematomas e meu pior medo tornado realidade.
O que aprendi nessas duas ultimas semanas andando numa cadeira de rodas?
Queria poder vir aqui e dizer que tive grandes iluminações e que finalmente aprendi a ter paciência. Queria poder vir aqui e dizer que tive apenas momentos sensacionais repletos de sensações agradáveis e sorrisos no pôr-do-sol. Mas, infelizmente, a vida tem um gostinho agridoce e não posso vir contar mentiras.
Aprendi do jeito mais difícil que “acessibilidade” é uma palavra muito bonita e pouco utilizada. Pouco utilizada por restaurantes que gosto, por prédios antigos de cidades de primeiro mundo, por cursos diversos que visam a libertação da humanidade.
Ser pessoa com deficiência não é uma coisa fácil.
Falei uma vez em público, num desses “story slam” que rolam aqui em Dublin que a minha perna de ferro era meu super-poder e fiz uma metáfora super criativa sobre como eu tinha coisas em comum com Peter Parker. Falei sobre como “um grande poder traz uma grande responsabilidade”. Falei e falei e todos me aplaudiram e pessoas riram e vieram me agradecer no final e no banheiro. Naquele dia, teve uma competição e, apesar de ter feito mais pontos que todos os meus adversários, quem ganhou foi uma menina heterossexual irlandesa cuja mesa de amigos continha dois dos jurados responsáveis pela escolha do ganhador.
Eu achei que minha maior lição naquele dia tinha sido o fato de que, não importa o quanto você se esforce: no final vence quem tem os contatos certos. Mas, de novo, eu estava enganada.
A minha maior lição daquele dia é que a minha perna de ferro, meu maior super poder, que utilizo como a capa da Mulher Maravilha ou a máscara do Homem-Aranha, é também minha kriptonita. E percebo que tenho mais coisas em comum com os super heróis do que com os humanos em geral e sinto um certo orgulho de mim. Por que é difícil ser uma pessoa com deficiência nesse mundo que não entende nada de acessibilidade ou respeito às diferenças. Um mudo de chuvas frias e comentários cruéis. E pessoas que não levam as dores dos outros a sério.
Tenho aprendido da pior forma a lidar com o fedor que exala das ruas desse mundo e, quando digo isso, falo figurativa e literalmente. A cadeira é baixa e me obriga a andar mais próxima do chão. Chão que fede a urina e comida podre. Chão que mal tem espaço para que minhas rodas, antes tão evitadas, possam passar e existir com facilidade.
Sim, minha perna de ferro é meu super-poder, mas quando tirada de mim, sobra apenas eu: Clark Kent. Com meus óculos tortos e meu sangue humano, tão vulnerável. Eu e Charles Xavier, com minhas cadeiras de rodas e a bondade de outros mutantes que possam me carregar por lugares sem rampas.
Quem sou eu sem meu super-poder?
Apenas essa escritora que vos fala. Que redescobre o super poder de um texto bem escrito e de palavras bem colocadas. Que redescobre que a única coisa que não podem me tirar são minhas ideias e minha liberdade de expressão.
Que redescobre a si mesma e sente um pavor imenso.
Sigo aprendendo, sigo encontrando outros lados de mim.
Cada vez mais me convenço de que a vida, no final, é sobre esses encontros e reencontros com nós mesmas, dos quais não podemos fugir.
Comments